Documentos de dois convênios bancados com emendas de R$ 10 milhões do ministro Juscelino Filho (Comunicações) mostram que dinheiro público da Codevasf beneficiou por duas vezes a própria fazenda do político maranhense, além de abastecer uma empresa apontada como sendo dele mesmo pela Polícia Federal.
As
obras foram feitas por empreiteiras que estão no centro da investigação que
mira desvios em contratos custeados com dinheiro da estatal comandada pelo
centrão.
Um
convênio bancou a recuperação da estrada de terra que liga a cidade de Vitorino
Freire (MA) a propriedade de sua família. O outro, ainda não totalmente
executado, custeou um contrato para pavimentação da via.
A
propriedade é conhecida como Fazenda Alegria e chegou a ser indicada como um
dos locais onde a PF queria fazer busca e apreensão para avançar na apuração
sobre Juscelino na Operação Benesse, que foi deflagrada em setembro e é
terceira fase da Odoacro, investigação que mira convênios da Codevasf pagos com
emendas.
O
pedido, no entanto, foi negado pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF
(Supremo Tribunal Federal).
A
estrada e a fazenda ficam em Vitorino Freire, base eleitoral do ministro e
comandada por sua irmã, Luanna Rezende, ambos filiados à União Brasil. Os dois
são investigados na Odoacro, e a prefeita chegou a ser afastada do cargo.
Uma
primeira emenda do então deputado Juscelino, no valor de R$ 2,56 milhões,
bancou entre 2017 e 2019 a recuperação da estrada vicinal de terra que liga o
distrito São João do Grajaú ao povoado de Estirão, onde fica a sede da fazenda
da família do ministro.
No
caso dessa emenda, o benefício pode ter ido além da benfeitoria na estrada que
leva até a fazenda. Isso porque, além de favorecer uma via que leva até o
imóvel da sua família, a obra também foi executada pela empresa Arco Construção
que, como mostrou a Folha, é indicada pela PF como sendo do próprio Juscelino.
A
defesa de Juscelino nega que ele seja dono da Arco e classifica como ilação a
suspeita de que o ministro tenha tido proveito pessoal por meio da atividade
como deputado.
Investigadores
apontam ainda que, no passado, duas pessoas que ocuparam cargos de assessoria
do gabinete do político, Lia Candida Soares e Anne Magalhães, já integraram o
quadro societário da companhia.
A
atuação da Arco na obra da estrada que beneficia a fazenda reforça a suspeita
da PF de que dinheiro de emendas parlamentares teria sido desviado em proveito
do próprio ministro, uma vez que os investigadores o apontam como real dono da
empresa.
A
PF encontrou mensagens entre Juscelino e o empresário Eduardo DP da época em
que a obra era realizada. As mensagens mostram solicitações de pagamentos à
empresa “com a justificativa de ser realizado serviço de terraplanagem de uma
obra”.
A
polícia afirma que há nas mensagens “cobranças reiteradas” de Juscelino pelo
pagamento. A investigação encontrou comprovante de transferência para a Arco de
R$ 63 mil feita por um suposto laranja de Eduardo DP.
O
empresário tem relação com o suposto segundo favorecimento à fazenda de
Juscelino. A Construservice, empresa apontada pela PF como sendo de Eduardo DP,
foi a contratada com parte de uma emenda de R$ 7,5 milhões, também do atual
ministro das Comunicações, para asfaltar a mesma estrada que leva até o imóvel
rural.
Essa
segunda obra da Construservice na estrada foi revelada pelo jornal O Estado de
S. Paulo.
Documentos
relacionados aos dois convênios da Codevasf mostram que o mesmo trecho de cerca
de 9,8 km está na lista das vias que receberiam as obras. Essa rua de terra
liga a Fazenda Alegria a um ponto da estrada MA-119 que está a cerca de 14 km
de distância do centro de Vitorino Freire.
O
relatório entregue ao STF pela PF afirma que a estrada incluída nos convênios
da Codevasf atravessa fazendas de Juscelino e da prefeita Luanna. O documento
ainda destaca que o trecho que a Construservice deve asfaltar ultrapassa 18 km,
enquanto outras obras bancadas pela emenda de R$ 7,5 milhões beneficiam ruas
com menos de 1 km.
Documentos
relacionados à execução dos contratos mostram fotografias de 2021 com trechos
que devem ser asfaltados pela Construservice. Essa mesma estrada havia sido
reparada pela Arco, em obra que terminou em 2019, mas as imagens feitas pela
prefeitura de Vitorino Freire mostram diversos buracos na via de terra.
A
PF fotografou outras obras precárias da Construservice em povoados próximos.
“As imagens seguintes demonstram que grande parte das ruas estão tomadas por
buracos e o asfalto já é quase inexistente”, afirma o relatório.
“A
situação encontrada pela equipe causou perplexidade na Autoridade Policial
signatária, sobretudo porque a empreitada ilícita não causa somente prejuízos
financeiros, como também expõe a população a risco”, diz ainda o documento.
Os
advogados do ministro não responderam pontualmente as respostas, mas afirmaram
que são “absurdas as ilações de que Juscelino tenha tido qualquer proveito
pessoal com sua atividade parlamentar”.
“Trata-se
de mais um ataque na tentativa de criminalizar as emendas parlamentares, um
instrumento legítimo e democrático do Congresso Nacional, enquanto não há
absolutamente nada que desabone a atuação de Juscelino Filho no Ministério das
Comunicações”, afirma a nota assinada pelos advogados Ticiano Figueiredo e
Pedro Ivo Velloso.
Os
advogados também dizem que as “supostas mensagens, assim como ilações sobre
empresa da qual nunca foi sócio, já constavam do relatório da PF usado na
tentativa de fundamentar uma busca e apreensão em relação a Juscelino Filho”.
“E estas alegações já foram analisadas pelo STF, que inclusive rejeitou o
pedido de cautelar feito pela PF.”
Ao
negar a busca e apreensão contra Juscelino, o ministro Barroso, então relator
do caso, afirmou que havia risco de “impacto institucional da medida”, cujo
dano poderia ser “irreversível”.