As investigações da Polícia Federal sobre a tentativa de um golpe de
estado para manter Jair Bolsonaro no poder revelaram que o ex-presidente pediu
ajustes na minuta do golpe (como ficou conhecido o documento que tinha como
objetivo mudar o resultado da eleição) e discutiu o seu teor com militares e
membros do alto escalão do seu governo. Também mostraram a atuação de
ex-assessores para articular e financiar atos golpistas e o envolvimento do PL,
partido de Bolsonaro, no plano.
A operação realizada nesta
quinta-feira (8) teve como alvo o próprio Bolsonaro, ex-ministros e
ex-assessores dele e militares de alta patente. Além de inquéritos em
andamento, foram levadas em conta a delação de ex-ajudante de ordens de
Bolsonaro Mauro Cid e mensagens encontradas no celular dele.
Alvos e presos
A Polícia Federal
cumpriu 33 mandados de busca e apreensão e quatro mandados de prisão
preventiva. Por determinação de Moraes, os investigados estão proibidos de
manter contato e de deixarem o país. Também precisam entregar os passaportes em
24 horas e estão suspensos do exercício das funções públicas.
Todas as medidas
tiveram o aval do procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet.
Entre elas, estava a entrega
do passaporte do ex-presidente Jair Bolsonaro às autoridades.
Entre os alvos de
busca e apreensão estavam o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional
(GSI) general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, o ex-ministro da Casa Civil
Walter Souza Braga Netto, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de
Oliveira e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
Foram presos
Felipe Martins e o coronel do Exército Marcelo Costa Câmara, ambos
ex-assessores especiais de Bolsonaro, e o major Rafael Martins de Oliveira.
O
presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, acabou sendo preso por porte
ilegal de arma, em Brasília, no momento que os agentes cumpriam o mandado de
busca e apreensão contra ele.
As
investigações apontam que a organização se dividiu em seis núcleos para atuar
na tentativa de golpe de Estado e de ataque ao Estado Democrático de Direito: o
de desinformação e ataques ao sistema eleitoral; o de incitação ao golpe entre
militares; o de atuação jurídica; o de coordenação de ações de apoio
operacional; o de inteligência paralela, e o de oficiais de alta patente que
legitimavam todas as ações.
Veja quem foi alvo da operação:
1. – Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ex-chefe do
Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
2. – Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa
Civil e da Defesa;
3. – General Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira,
ex-ministro da Defesa;
4. – Ângelo Martins Denicoli, major da reserva;
5. – Aílton Gonçalves Moraes Barros, coronel reformado
do Exército;
6. – Coronel Guilherme Marques Almeida;
7. – Tenente-coronel Hélio Ferreira Lima;
8. – Tenente-coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de
Medeiros
9. – Almirante Almir Garnier Santos,
ex-comandante-geral da Marinha;
10. – General Mário Fernandes;
11. – General Estevam Cals Theophilo Gaspar de
Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;
12. – Laércio Vergílio, general de Brigada reformado;
13. – Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho;
14. – Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
15. – Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL;
16. – Felipe Martins, ex-assessor especial de Jair
Bolsonaro;
17. – Coronel Bernardo Romão Correa Neto;
18. – Marcelo Costa Câmara, coronel da reserva;
19. – Major Rafael Martins de Oliveira.
As
medidas foram cumpridas nos seguintes estados: Amazonas, Rio de Janeiro, São
Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Ceará, Espírito Santo, Paraná e Goiás,
além do Distrito Federal. O Exército acompanhou o cumprimento de alguns
mandados.
A participação de Bolsonaro na minuta do golpe
De acordo com a
Polícia Federal, o grupo elaborou uma minuta de decreto que tinha como objetivo
executar um golpe de Estado.
O texto foi
entregue ao ex-presidente em 2022 por Filipe Martins, então assessor da
Presidência para Assuntos Internacionais, e pelo advogado Amauri Feres Saad,
apontado como mentor intelectual do documento.
O documento
previa as prisões dos ministros do Supremo Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes,
e também do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), além da realização
de novas eleições.
Após receber o
texto, Bolsonaro solicitou mudanças e a retirada das prisões de Mendes e
Pacheco do texto. Na nova versão, permaneceram a prisão de Moraes e a
convocação de novas eleições.
“Conforme
descrito, os elementos informativos colhidos revelaram que Jair Bolsonaro
recebeu uma minuta de decreto apresentado por Filipe Martins e Amauri Feres
Saad para executar um golpe de Estado, detalhando supostas interferências do
Poder Judiciário no Poder Executivo e, ao final, decretava a prisão de diversas
autoridades, entre as quais os ministros do Supremo Tribunal Federal, Alexandre
de Moraes e Gilmar Mendes, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco e, por
fim, determinava a realização de novas eleições. Posteriormente, foram
realizadas alterações a pedido do então presidente, permanecendo a determinação
de prisão do ministro Alexandre de Moraes e a realização de novas eleições”,
diz trecho da decisão de Moraes que autorizou a operação.
Após ter
concordado com o novo texto, Bolsonaro convocou uma reunião com os comandantes
das Forças Armadas – almirante Almir Garnier Santos (Marinha), general Marco
Antonio Freire Gomes (Exército) e brigadeiro Carlos de Almeida Batista Júnior
(Aeronáutica) – para pressioná-los a aderir ao golpe.
Reunião da “dinâmica golpista”
Outro evento
revelado pelas investigações foi uma reunião convocada por Bolsonaro com a alta
cúpula do governo federal, em 5 de julho de 2022. No encontro, o então
presidente cobrou aos presentes que usassem os cargos para disseminar
informações falsas sobre supostas fraudes nas eleições. Um vídeo com a gravação
da reunião foi encontrado em um dos computadores do ex-ajudante de ordens Mauro
Cid.
“Daqui pra frente
quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui, e vou mostrar. Se o
ministro não quiser falar ele vai vir falar para mim porque que ele não quer
falar”, disse Bolsonaro, conforme transcrição feita pela PF,
No mesmo
encontro, o general Augusto Heleno, então ministro-chefe do Gabinete de
Segurança Institucional (GSI), defendeu que era preciso agir antes das eleições
presidenciais de outubro daquele ano para garantir a permanência de Bolsonaro
no comando do país. E usou uma referência esportiva – o assistente de vídeo,
recurso usado para corrigir erros de arbitragem no campo de jogo – para afirmar
que uma vez realizada, a eleição não poderia ser contestada.
“Não vai ter
revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das
eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que
virar a mesa é antes das eleições”, afirmou.
Heleno chegou a
propor que servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) fossem
infiltrados em campanhas eleitorais. Bolsonaro interrompeu a fala do general e
orientou que conversassem sobre o tema posteriormente, em particular.
A partir dessa
reunião, a PF aponta que foi realizada uma sequência de eventos para o
planejamento do golpe, a partir de mensagens extraídas de celulares de Mauro
Cid e nas quais o ajudante de ordens assume a tarefa de coordenação na
disseminação de ataques à Justiça Eleitoral.
“A descrição da
reunião de 5 de julho de 2022, nitidamente, revela o arranjo de dinâmica
golpista, no âmbito da alta cúpula do governo, manifestando-se todos os
investigados que dela tomaram parte no sentido de validar e amplificar a
massiva desinformação e as narrativas fraudulentas sobre as eleições e a
Justiça eleitoral”, descreve a PF.
Monitoramento de Moraes
Os policiais
federais identificaram ainda que o grupo monitorou deslocamentos do ministro
Alexandre de Moraes entre Brasília e São Paulo, em diversas datas de dezembro
de 2022.
O monitoramento
foi descoberto nas mensagens trocadas entre Mauro Cid e o coronel do Exército,
Marcelo Câmara, que atuou como assessor especial da Presidência da República e
foi preso preventivamente nesta quinta-feira. Nas mensagens, Mauro Cid se
referia ao ministro do Supremo como “professora”.
“A investigação
constatou que os deslocamentos entre Brasília e São Paulo do ministro Alexandre
de Moraes são coincidentes com os da pessoa que estava sendo monitorada e
acompanhada pelo grupo. Assim, o termo ‘professora’ utilizado por Mauro Cid e
Marcelo Câmara seria um codinome para a ação que tinha o Ministro Alexandre de
Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e presidente do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) como alvo”, informou a Polícia Federal
Ataques de 8 de janeiro
A Polícia Federal
aponta que integrantes do grupo trocaram mensagens sobre a organização dos atos
antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, que resultaram em ataques e
depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Mauro Cid e o
major do Exército, Rafael Martins de Oliveira, conversaram sobre a ida de uma
caravana do Rio de Janeiro para os atos. Cid pediu ao major que fizesse
estimativa de custo com hotel, alimentação e demais despesas. Oliveira estimou
gastos em torno de R$ 100 mil.
Segundo a PF, o diálogo traz fortes indícios de que Rafael de Oliveira “atuou diretamente, direcionando os manifestantes para os alvos de interesse dos investigados, como STF e Congresso Nacional, além de realizar a coordenação financeira e operacional para dar suporte aos atos antidemocráticos” sob a orientação de Cid, responsável pelo arranjo de financiamentos dos atos.