As duas letras mais temidas no país chegaram à Praça Kalilândia, região do bairro antigo da Princesinha do Sertão. Depois de elevar a briga por territórios ao status de guerra urbana, com o emprego de fuzis e outras armas com mira laser, além de granadas e barricadas em Salvador e Região Metropolitana (RMS), o Comando Vermelho (CV) já é uma realidade em Feira de Santana. É a segunda maior organização criminosa do Brasil na segunda maior cidade baiana.
“Nós estamos acompanhando no país inteiro a migração das
organizações tradicionais do tráfico de drogas e armas do Sudeste brasileiro
para essas regiões e isso tem intensificado os episódios de conflitos. É
possível constatar a expansão do Comando Vermelho, que hoje já tem uma presença
significativa na Bahia e que já participa de forma definitiva da geopolítica do
tráfico e dos eventos de violência e insegurança pública”, declara o cofundador
e coordenador executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas,
o sociólogo Dudu Ribeiro, integrante da rede de Observatórios de Segurança.
Segundo
a 18ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada nesta última
quinta-feira (18), das 10 cidades brasileiras com as maiores taxas de mortes
violentas a cada 100 mil habitantes, seis são baianas, entre elas
Feira de Santana (75,9), que ocupa a quinta posição - as demais são: Camaçari
(90,6), Jequié (84,4), Simões Filho (75,9), Juazeiro (74,4) e Eunápolis
(70,4). Entre os crimes violentos que entram na contagem do estudo estão:
homicídios dolosos, latrocínios, lesão corporal seguida de morte e feminicídio.
No
Atlas da Violência 2024, divulgado em junho deste ano, Feira é a décima cidade
do Brasil com a maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes em 2022. O
estudo, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), aponta que o
município possui uma taxa 66,0, com uma população de aproximadamente 616 mil.
Já
em maio deste ano, a Princesinha do Sertão foi considerada o município
brasileiro mais violento e o 19º em todo o planeta, segundo análises da ONG
mexicana Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal.
Coincidentemente, na ocasião, a cidade registou 10 homicídios em apenas um
final de semana (dias 10, 11 e 12/05). Entre os casos, três homens foram mortos
e outras três pessoas ficaram feridas em um ataque em frente a um mercadinho,
no dia 10.
O crime aconteceu na Rua General Cordeiro de Farias, no bairro da Rua Nova, área de atuação Bonde do Maluco (BDM), arquirrival do CV. Quatro lideranças criminosas foram transferidas no dia seguinte da penitenciária local para o Presídio de Segurança Máxima de Serrinha, após serem apontados como responsáveis pelo comando dos homicídios.
Questionado sobre o impacto na segurança pública com chegada da
facção carioca no município, o responsável pela 1ª Coordenadoria de Polícia do
Interior (Coorpin), delegado Yves Correia, disse que “essa questão do tráfico é
muito dinâmica”. “A guerra entre eles, CV e BDM, realmente existe em vários
bairros, mas não está como Salvador, com ‘bondes’ e armamentos pesados”,
pondera.
Ainda de acordo com o Atlas da Violência 2024, Feira é 10ª no ranking , porque a capital ocupa a 9ª posição – no levantamento, outras cidades baianas estão entre o primeiro e o quinto lugares: Santo Antônio de Jesus, Jequié, Simões Filho, Camaçari e Juazeiro.
Kalilândia
É
no centro antigo de Feira de Santana que estão espalhadas as iniciais “CV”, o
indicativo de que o território tem dono e que intrusos podem pagar com a vida.
“Eu não sabia que isso fazia parte de uma facção. Já vi em vários lugares por
aqui. Agora que sei o que significa, vou evitar vir, porque pode trazer um
risco até para nós, que não temos nada a ver com isso”, diz uma senhora,
funcionária de um estabelecimento da região, sentada em um dos bancos de
cimento em frente a uma das iniciais “CV” espalhadas na Praça Kalilândia.
A
facção carioca chegou à Bahia em 2020 e se estabeleceu na capital, quando
absorveu o extinto Comando da Paz (CP). Logo depois, deu início à sua expansão
para a RMS e há dois anos chegou nas localidades periféricas de Feira de
Santana. Agora, há cerca de cinco meses, o CV começou a se aproximar do Centro
da cidade, iniciando pelo bairro da Queimadinha, onde antes era uma área
residencial e hoje tem um perfil comercial.
“Feira
está muito violenta. A gente anda com medo. Aqui é o pessoal do ‘Tudo 2’ que
tem rixa com a Rua Nova (BDM). Mas isso não é só aqui. Onde moro, lá no
Papagaio, que também é CV, na semana passada, foi um terror. Uma mulher
pilotava a moto enquanto um homem na garupa atirava aleatoriamente, dizendo:
‘não corre ninguém, não corre ninguém’ e atirando. Na hora, havia muitas
crianças brincando na rua e as mães ficaram desesperadas. Por sorte, ninguém
foi baleado, mas o pessoal disse que o casal era da Rua Nova”, relata a fonte.
Periferia
Na periferia da cidade, a facção está presente em programas de moradia do governo federal, como os conjuntos habitacionais Mangabeira II e III, do Minha Casa Minha Vida (MCMV), situados na Avenida Iguatemi. O indicativo está nas paredes dos edifícios pichados com as iniciais “CV”. No final da via há o Conjunto Alto do Rosário, também dominado pelo CV. “Lá, os traficantes desafiam a polícia. Há pouco tempo, eles fizeram um vídeo, exibindo os fuzis, chamando os policiais para um confronto”, disse o morador da cidade.
Na região existe um outro conjunto habitacional, mas o controle do tráfico é do arquirrival do BDM. “É o B 13, no Parque Brasil. Lá o bicho pega. Eles (traficantes) matam por brincadeira. Trocam bala e só depois o carro (rabecão) vem buscar. Os caras vêm de fora para trocar tiros aqui. Não sabemos o que fazer. Não dá pra sair, porque ninguém quer comprar. É grande a fama que o conjunto tem de ser um local bastante violento”, diz o morador. Os “caras de fora” a quem ele se refere são os integrantes do CV, que controlam o tráfico em outra moradia popular do MCMV. “É o Conjunto Conder. É confronto toda hora. Apesar de próximos, quem é de lá não pode vir aqui e vice-versa", conta uma moradora.
Segundo
ela, todas essas famílias conviviam na mesma área até 2016, quando foram
relocadas com a construção da Avenida Ayrton Senna. “Era uma antiga favela,
onde a liderança era do ‘Tudo 3’ (BDM). Mas quando houve a separação, a Conder
rompeu com o BDM e ficou independente até um certo tempo, quando o Comando (CV)
chegou e matou as lideranças e assumiu o controle”, detalha a moradora.
Além
do CV e o BDM, outras duas organizações criminosas atuam no município: A Tropa,
também em regiões periféricas da cidade, e o Primeiro Comando da Capital, no
Conjunto Penal de Feira de Santana.
Rota
Com
1.304,425 km², a cidade está no centro norte da Bahia e tem uma população de
616.279 habitantes, segundo o último censo IBGE, em 2022. Assim como Salvador,
Feira tem região metropolitana. Originalmente, o território englobava outros
cinco municípios: Amélia Rodrigues, Conceição da Feira, Conceição do Jacuípe,
São Gonçalo dos Campos e Tanquinho. No entanto, foram anexadas mais 10 cidades,
que formam a área de expansão metropolitana do município. São elas: Anguera,
Antônio Cardoso, Candeal, Coração de Maria, Ipecaetá, Irará, Riachão do
Jacuípe, Santa Bárbara, Santanópolis e Serra Preta. Além disso, as terras da
cidade são dividas em oito distritos: Feira de Santana, Bonfim da Feira,
Humildes, Ipuaçu, Jaguara, Jaíba, Maria Quitéria e Tiquaruçu.
A
Princesinha do Sertão tem o maior entroncamento do Nordeste e é um dos maiores
do país. Para Dudu Ribeiro, isso pode ter sido um fator determinante para a
facção carioca ter escolhido Feira para começar a sua expansão pelos municípios
do interior mais próximo da capital, excluindo a Região Metropolitana de
Salvador e o Recôncavo, pois já têm regiões controladas pelo CV. “Um conjunto
de fatores empurra essas organizações para uma expansão para outros estados,
tanto pela oportunidade de mercado, como pela sua capacidade de resistir às
investidas do aparelhamento do Estado. Feira de Santana pode estar sob esse
regime, haja vista a sua localização estratégica, numa perspectiva de
escoamento. Hoje, uma das principais rota do tráfico de drogas e armas do Brasil
passa pelas regiões Norte e Nordeste do país”, ponta Azevedo.
A Polícia Rodoviária Federal sustenta a declaração de Ribeiro. “Muitas pessoas que saem do Sudeste e buscam o Norte e o Nordeste obrigatoriamente vão ter que passar pelo entroncamento e com o tráfico de drogas não seria diferente. Na maioria das vezes, o tráfico é do eixo Rio-São Paulo ou Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul que buscam Salvador outras cidades baianas”, declara a chefe do Núcleo de Policiamento e Fiscalização da Delegacia da PRF de Feira de Santana, inspetora Lívia Marcelino.
Segundo ela, com base no estudo das rotas e incidências criminais
e o combate é feito com um “incremento do efetivo”. "Equipes utilizam cães
farejadores e a fiscalização de drogas tem um ganho batente significativo. Já a
questão do armamento, temos grupos do pelotão tático que fazem operações nos
dias e horários de maiores incidências”, diz a inspetora.
Sem
respostas
O
CORREIO pediu o um posicionamento ao Ministério Público do Estado (MPBA), à
Secretaria de Segurança Pública (SSPBA), à Polícia Civil (PCBA) e à Polícia
Militar (PMBA), para saber o que cada instituição diz sobre a chegada do CV em
Feira de Santana e a expansão para outras municípios e suas consequências. Até
esta publicação não houve nenhum posicionamento.