Entre os bolsonaristas, o
ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, é conhecido como
“Tarcisão do Asfalto”, mas outro aliado de primeira hora do presidente da
República também poderia receber reconhecimento semelhante.
O
líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), foi responsável
por direcionar nos anos de 2019 e 2020 ao menos R$ 200 milhões para obras de
pavimentação na região de Petrolina, município de Pernambuco a 713 km do Recife
administrado por seu filho, o prefeito Miguel Coelho (DEM).
Grande
parte desses recursos foi destinada por meio das chamadas emendas de relator, a
peça-chave do jogo político em Brasília responsável pela sustentação da base
aliada de Jair Bolsonaro (PL) no Congresso.
A
verba sai de Brasília e entra no caixa da unidade local da Codevasf, órgão
federal loteado por indicados dos partidos e líder em projetos usados como
moeda de troca política.
Em
Petrolina, o asfalto pago com verbas direcionadas pelo líder de Bolsonaro
ganhou até apelidos. É chamado de farofa ou sonrisal, em referência ao
esfarelamento dos trechos pavimentados. O pavimento usado derrete com o forte
calor e gruda nos calçados dos moradores, e quando ele se quebra em pedaços
começa a esfarelar.
Em
outros trechos, com pouco mais de um ano de entrega, a má qualidade das obras
já dá sinais, com abertura de buracos e falhas nas vias.
Moradores
também reclamam de pavimentações realizadas sem o acompanhamento de serviços de
drenagem ou da construção de meio-fio, o que permite alagamentos.
A
Folha esteve em Petrolina há duas semanas e constatou esse cenário em áreas
distantes do centro da cidade, principalmente em vilas ligadas a projetos de
irrigação.
A
precariedade nas vias pode ser explicada por um relatório da CGU
(Controladoria-Geral da União) de fevereiro deste ano que lista dez
irregularidades no processo de contratação e execução das pavimentações pagas
com verba federal direcionada pelo líder do governo, em especial a falta de
planejamento prévio e projeto básico para as obras.
Procurada
pela reportagem, a CGU afirmou que até o fim de novembro os problemas apontados
no relatório ainda não tinham sido resolvidos.
Em
Petrolina, a principal precariedade encontrada pela reportagem foi na rua 35 da
área do km 25 da localidade Maria Tereza, na qual o asfalto derretia ao sol
forte do meio-dia e grudava nos calçados das pessoas, dificultando até a sua
locomoção.
Morador
desta rua, o agricultor Cícero Silva, 66, lamenta a situação da pavimentação.
“Quando
está quente, o asfalto afunda, a sandália fica pregada no pé. É um desperdício
um dinheiro desse”, diz.
Na
mesma área, na rua 25, a pavimentação feita há cerca de um ano já apresenta
buracos e falhas. Os moradores reclamam que a obra não incluiu a construção de
meio-fio e serviços de drenagem, o que faz com que a rua encha de água em dias
de chuva intensa, causando muitos transtornos.
A
dona de casa Marinete Ferreira da Silva, 60, reclama da má qualidade das obras.
“A situação é triste, quando chove a água desce com tudo e traz muita sujeira
junto”, afirma.
Já
na área N-5, na rua 14, a pavimentação só tem uma camada de material coberta
por brita, o que indica que a obra está inacabada. Lá também quando chove a rua
vira um “açude”, relatam os moradores.
“Tem
que consertar isso aí. Quando chove é a mesma coisa que estar dentro de um
chiqueiro de porco. Porque isso não parece com asfalto, parece? Não custava
nada fazer mais um pedaço de pista. E eu também queria o meio-fio, para eu
poder consertar a minha calçada, que eles [executores da obra] quebraram e não
fizeram de novo”, diz a dona de casa Maria José Jerônimo da Silva, 56.
Segundo
o relatório da CGU, as obras nessas ruas ficaram a cargo da construtora Enciza
Engenharia Civil Ltda., que levou um contrato no valor de cerca de R$ 21
milhões.
Já
a Liga Engenharia entrou no pacote de pavimentação de ruas de Petrolina sob uma
contratação no valor de aproximadamente R$ 24 milhões.
O
dinheiro para essas obras veio por meio da indicação do senador Fernando
Bezerra Coelho em 2019 com a utilização de um mecanismo orçamentário chamado
termo de execução descentralizada (TED). Dois TEDs no valor total de R$ 146,5
milhões direcionados pelo congressista financiaram os contratos, de acordo com
o relatório da CGU.
Já
em relação a 2020, os recursos para pavimentações da Codevasf de Petrolina
vieram principalmente por meio das chamadas emendas de relator, também
apadrinhadas pelo senador.
O
valor destinado pelo líder do governo no Senado foi de pelo menos R$ 125
milhões, de acordo com documentos do Ministério do Desenvolvimento Regional e
relatório fornecido pela Codevasf à Câmara Municipal de Petrolina, por
solicitação do vereador Gilmar dos Santos Pereira (PT).
Atualmente,
a emenda de relator é fundamental para sustentar o toma lá dá cá em Brasília,
pois é distribuída por governistas em votações importantes no Congresso. O
dinheiro disponível neste ano é de R$ 16,8 bilhões.
Em
Petrolina outro problema é que a entrega de cisternas compradas com verba
federal tem sido condicionada ao apoio político ao grupo do filho do senador
que é o prefeito da cidade, como a Folha revelou no domingo (5).
A
distribuição desses reservatórios de água com verba federal está contaminada
pela “politicagem”, segundo relato de moradores da zona rural do município.
Essa
indicação pessoal e sem critérios objetivos por meio de emendas ocorre ao mesmo
tempo em que é realizado um desmonte do programa federal de entrega de
cisternas, intitulado Programa Cisternas, que possui regras gerais e
fiscalização social por conselhos municipais, associações e ONGs, como a Folha
mostrou na segunda-feira (6).
A
gestão Bolsonaro caminha para fechar o pior ano de implantação de cisternas
para populações de regiões que convivem com a seca desde 2003, quando foi
lançado o programa federal sob Lula (PT).
Na
região o governo de Jair Bolsonaro também mantém em estoque dezenas de
cisternas, caixas-d’água, tratores, implementos agrícolas e tubos de irrigação
comprados com recursos de emendas parlamentares, como informado pela Folha na
quarta-feira (8).
Vários
equipamentos são mantidos amontoados em depósitos da Codevasf e já dão sinais
de desgaste com o tempo. Alguns deles, como canos e reservatórios de água,
estão lá há mais de um ano, segundo relato de moradores da região. Eles
suspeitam que os produtos estejam sendo guardados para distribuição no ano
eleitoral de 2022.
De
acordo com a nota, as obras mencionadas pela reportagem “foram licitadas pela
Codevasf, a quem cabe prestar os esclarecimentos”.
A
Codevasf também enviou nota ao jornal, pela qual afirma que “a partir do relato
[da reportagem], a companhia realizará inspeção nos locais para verificação”.
De
acordo com o órgão federal, “obras que apresentam inconformidades pontuais são
objeto de notificação às empresas responsáveis, para fins de correção. Apenas
serviços em conformidade são pagos”.
“Desde
2019, a Superintendência Regional da Codevasf em Pernambuco empregou mais de R$
150 milhões na pavimentação de 1.272 ruas do estado”, completa.
Em
relação ao relatório da CGU que aponta irregularidades nas obras, o órgão federal
afirma que “recomendações apresentadas à Codevasf por órgãos de controle são
observadas e incorporadas aos procedimentos da companhia, de acordo com sua
aplicação. Em atenção ao Relatório CGU nº 824069, a Codevasf tem elaborado e
executado Planos de Providências Permanentes, para atendimento à CGU”.
Quanto
à ligação da família do senador Fernando Bezerra Coelho e o sócio da
empreiteira Liga Engenharia, a Codevasf afirma que “relações sociais ou
familiares existentes entre sócios de empresas participantes desses
procedimentos e terceiros são desconhecidas e não integram o rol de critérios
de classificação ou desclassificação”.
“Todos
os atos dos pregoeiros ficam registrados no sistema do Portal de Compras, que
não permite a identificação dos concorrentes até que os processos sejam
encerrados”, afirma.
Sobre
o fato de a CGU ter apontado que a Liga Engenharia só participa de licitações
da Codevasf, o órgão afirmou que “no âmbito do pregão eletrônico nº 02/2019, a
empresa citada apresentou acervo técnico que atesta a prestação de serviços a
outros órgãos públicos, como prefeituras de municípios da Bahia”.
Procuradas
pela Folha, a Prefeitura de Petrolina, a construtora Liga Engenharia e a
empreiteira Enciza não responderam até a conclusão deste texto.